domingo, abril 24, 2005

Viagem ao revés

Ele acordou com aquela sensação de vazio e falta de sentindo que às vezes acomete a gente, mesmo quando não existe razão aparente pra isso. Fechou os olhos. Inspira-expira-inspira-expira. Contou até 10. Até 100. Até 1000. Contou até perder as contas. E não passou. Abriu os olhos e achou o quarto pequeno demais. A casa pequena demais. O mundo pequeno demais. Soube que tinha que fugir. Pra longe. Pra dentro. E saltou no abismo. Sem pára-quedas. Sem proteção, mas também sem medo. E foi a última vez que foi visto.

sábado, abril 23, 2005

Os investigadores estão chegando

Eles chegaram no final da manhã. Os dois. De capa, chapéu, cachimbo, lupa e pasta. Entraram, sentaram. Ofereci café, mas eles não bebem em serviço. Depois de um certo constrangimento inicial e natural, começaram o interrogatório de dois contra um, que logo se transformou numa conversa a três. Das boas. Ouviram, observaram, se distrairam e revelaram um tanto sobre eles... E a certa altura, já não sabia quem tava investigando quem e se, realmente, isso tava acontecendo. Suspeito que não. Mas, sou a mocinha aqui. E o meu papel é ser ingênua e acreditar na boa vontade da humanidade. Depois de algumas horas, eles se levantaram, se despediram e foram embora apressados. Na agonia, esqueci de dizer que voltassem quando quisessem. Mas, como eles estão sempre dando uma olhada no meu blog em busca de novas informações, agora já estão sabendo. Nem sei se é de bom tom... Afinal de contas, trata-se de uma investigação. Mas é que eles fizeram o meu dia, que começou vazio, ganhar um não-sei-quê de alegria.

sexta-feira, abril 22, 2005

Diferença

As minhas palavras são mais como cócegas que como beliscões.

quinta-feira, abril 21, 2005

O menino mais bonito

O menino mais bonito tem olhos pequenos e sorriso grande. Desses que começam só com o ar da graça, pra depois virar gargalhada, que toma conta do rosto, do corpo e do resto. Ele fala manso, com sotaque de balanço na rede, tarde de sol e preguiça. O menino mais bonito anda como quem dança. Num ritmo só dele, que não tem os pés no chão. Ele flutua e tenho certeza de que pode voar, quando fecha os olhos e se perde em pensamento. Mas aí, ele ouve a música, desperta e acende a noite.

terça-feira, abril 19, 2005

Verde, amarelo e bum! Vermelho.

Dia quente. Desses de matar. A menina não tira os olhos do semáforo. Verde. Um pé na calçada, outro já no asfalto. Pressa. Ela sempre tem pressa. “Puta-que-pariu-essa-porra-não-vai-fechar-nunca?” Amarelo. Os carros não param. Pressa. Eles sempre têm pressa. Vermelho. Ela olha pra frente e bum! Seus olhos encontram outros olhos e tudo em volta desaparece, a cidade fica em silêncio, chove papel picado dos edifícios. A menina que anda em fast, vê o mundo em slow motion. Ela não quer mais chegar a lugar nenhum, ela quer estar ali e agora: presa naquele milésimo de segundo por toda eternidade.

sábado, abril 16, 2005

Raciada com o vento

Sou vento que brinca com seu cabelo. Embaraço. Você ri. Ri até chorar. Viro redemoinho e bagunço os seus papéis e os seus dias. Vou embora, só pra poder voltar depois ventania. Bato portas e janelas. Você tem medo. Entro sem pedir licença e sopro forte, pra tirar o cisco do seu olho e acabar com essa agonia.

sexta-feira, abril 15, 2005

Olhos nos olhos

Meus olhos passeiam distraídos até que se deparam com os seus. Luz na escuridão. Não pisco, não me mexo, nem respiro... Os seus olhos prendem os meus, como uma mão que aperta a garganta.

terça-feira, abril 12, 2005

Encontro de Menina - Kika Freyre


Para Briza...
um presente suave,
além do vento
além da poesia
além do mar...


"Era uma vez uma menina que era bem feliz.
E Era outra vez uma outra menina que era bem feliz também.
Uma delas morava de um lado do mar.
A outra delas morava do outro lado do mar.
Uma era uma borboleta que voava na brisa.
A outra era a Briza que amaciava o vôo das borboletas.
Elas viviam muito longe.
Elas sentiam-se muito perto.
Uma nunca tinha visto os olhos da outra.
Mas a outra ouvia os passos da menina dos olhos da uma a dançar.
A dançar nos seus olhinhos atentos.
Daqueles que, quando aparecem, iluminam o dia de toda a gente.
E o dia cinza fica colorido.
E a cinza do dia cinza é soprada ao compadre vento.
E com ela vai todo o lamento.
E vai morar numa caixinha onde se guarda o pensamento.

Um dia, a menina desconfiou que nunca ia crescer.
Era domingo.
Chovia.
Ela não sabia se isto era bom ou ruim.
Só sabia que era assim.
E a outra menina topou não crescer com ela.
Deram-se as mãos.
Combinaram ficar juntas.
Comer brigadeiro na panela.
Passar o dia de pijama e meia.
Jogar conversa fora.
E depois abrir a porta para a conversa entrar.

A menina convidou a outra menina para pintar a vida com as cores dela.
E ela sorriu.
Nem precisou dizer que aceitou.
Ela já tinha entendido tudo.
Havia um mar entre as duas meninas, mas nem parecia.
Elas estavam tão perto.
Nem lembravam que o mar as separava.
Vai ver que é porque, na verdade, ele as ligava.
Ele trazia uma quietude bordada nas ondas.


Um alívio.
Um sentimento bom de não estar só.
E toda vez que a menina queria ver a outra menina
Ela ia olhar o mar.
Ela olhava nos olhos do mar.
E via uma menina bela.
Com uma flor.
E um sol gigante.
E um arco-íris.
E asas de borboleta.
Ela pensava que estava vendo a outra menina.
Mas a outra menina morava dentro do coração dela.
Elas eram tão parecidas.
Que as imagens se misturavam com o vento.
E, ao olhar nos olhos do mar.
A menina via os seus olhos piscar.
Era a outra menina a brincar lá dentro".

* * * * *

Braga, XII. IV. MMV


Eu ganhei e nem sei...
Brigada Kika-com-uma-flor

segunda-feira, abril 11, 2005

Mais da menina

Era uma dessas noite sem lua, nem estrelas. O vento que vinha do cais bagunçava o cabelo da menina. Ela e o cara conversavam amenidades sentados na calçada. Ele bebia cerveja. Ela engolia o choro. A menina não aguentou as palavras arranhando a gargante e disse: eu ainda gosto de você, de amor. Ele continuou olhando pros pés, em silêncio. Ela riu, sem graça e soube que não podia mais ficar. Levantou e pegou a bolsa no chão. Deu um beijo no rosto do cara. Ele ainda disse alguma coisa sem importância, mas ela não conseguiu ouvir com o coração gritando assim tão alto.

quarta-feira, abril 06, 2005

Histórias da Menina

A menina acordou de madrugada, com o barulho de chuva na janela. Uma chuva fininha e passageira. Ela ficou ali parada, olhando os carros que passavam apressados, mesmo já tão tarde. E percebeu que o mesmo pensamento que a acompanhava antes de deitar, continuava lhe fazendo companhia. E só então se deu conta que não tinha nenhum controle sobre isso. Que não era ela quem estava no comando. Era o pensamento que a absorvia e lhe prendia como uma teia gigante. Talvez, se ela fizesse algum esforço, conseguisse escapar e sair dali correndo pra bem longe. Mas, ela não queria. Ela se enrolava na teia e ria. Pensando num apartamento, que por algumas horas foi o centro do Universo. Um Universo paralelo. Onde havia música e o olhar do cara que falava mais alto que qualquer palavra. Onde o frio na barriga era o contraponto do calor na pele. E o medo, o contraponto do desejo. Medo de estragar tudo. Medo de ir além. Medo de acabar com o encanto. Um passo em falso e a queda livre... E era difícil caminhar assim de olhos fechados. Sem respostas, sem certezas, só seguindo a intuição. Ela continuou andando no escuro. Até ficar frente a frente com aquele olhar. Que incendiava. E ela achou graça por pensar que poderia ser diferente. Por acreditar que, de alguma forma, o destino pudesse lhe pregar uma peça e levá-la a outro canto. E foi assim que, em meio à confusão e à surpresa, tudo desapareceu. O tempo, o espaço, o mundo lá fora. Sumiram. Como num passe de mágica. Só havia aquele lugar e aquele momento. Mais nada. A vida derretia, se desfazia. Se transformava em luz e cor. Mas um surto de razão tomou conta dos dois... Da menina e do cara. E antes que fosse tarde demais, ela fez a última coisa que queria fazer. Foi embora, sem saber que já não tinha pra onde ir.

segunda-feira, abril 04, 2005

About me

Eu sou mais janela que porta. Mais doce que salgado. Mais noite que dia. Mais silêncio que canção. Sou mais cama que mesa. Mais calor que frio. Mais beijo que aperto de mão. Sou mais cinema que teatro. Mais livro que televisão. Mais prosa que poesia. Mais ficção que biografia. Sou mais detalhes que o todo. Mais distração que concentração. Mais abraço que sermão. Sou mais confusão que serenidade. Mais dia nublado que céu azul. Sou mais antes que depois. Mais começo do que fim. Sou mais filha que mãe. Mais emoção que razão. Sou mais dúvida que certeza. Sou mais do que sei que sou e sei que ainda há tanto pra ser...

sábado, abril 02, 2005

Descoberta

Eu tenho fome de quem eu gosto.