sábado, outubro 14, 2006

Foi como na vez em que me queimei. Segurei a assadeira quente e fiquei com o cabo dela desenhado na mão. Por 30 ou 40 segundos não me mexi, pensando no que fazer pra aliviar a dor. Aí, ele apareceu e eu comecei a chorar, compulsivamente. Depois a rir, na mesma medida. Porque chegava a ser engraçado me saber infantil assim. E reconfortante sentir que ele não se afastava, nem me afastava, por causa disso. Quando eu era criança, tinha medo de dormir sozinha. Mas tinha que dormir sozinha, porque não tem bicho papão no armário, ora! (como é que eles podiam saber, sem nem olhar?) E eu sentia aperto no peito tão grande quando a tarde ia chegando ao fim, que era quase desespero. E o tempo todo essa obrigação de seguir em frente, porque é isso que se faz. De me virar sozinha, porque as pessoas são hostis. De não sentir tanta dor, porque a vida continua. E foi assim por tanto tempo que passou a ser verdade, mesmo que não fosse tão verdade assim. Não aqui dentro. E aqui dentro é tudo que eu tenho. Hoje, ele chegou e comecei a chorar. Porque eu posso chorar e dizer que tenho medo, um medo medonho, que vai muito além de dormir sozinha. E fiquei pensando em como isso de sentir que se pode ser total e completamente o que se é, dá um alívio maior do mundo.